NOTÍCIAS
Artigo: Assinatura digital de contratos e a dúvida sobre a necessidade de duas testemunhas – Por Yan Viegas da Silva e Fernanda Magni Berthier
22 DE JULHO DE 2022
O Código de Processo Civil, em seu artigo 784, traz um rol de documentos considerados como títulos executivos extrajudiciais que permitem a tutela jurisdicional direta mediante o procedimento de execução, dispensando a necessidade de um processo de conhecimento que afirme a existência de um direito subjetivo. Nesse sentido, é vantajoso ao credor que sua dívida seja qualificada como título executivo extrajudicial para que, conforme convenha, possa optar por esse procedimento.
Dentre os títulos executivos extrajudiciais, a hipótese prevista no inciso III, de “documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas“, é bastante utilizada na prática negocial. A presença de testemunhas na assinatura do documento, por sua vez, tem por objetivo, idealmente, garantir que a manifestação de vontade das partes tenha ocorrido de forma livre e espontânea [1].
Entretanto, em muitos os casos, já é possível verificar uma flexibilização da jurisprudência pátria em relação à validade de documentos subscritos pelas testemunhas após a assinatura das partes. Exemplificativamente, destaca-se a atual e pacífica posição do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “o fato das testemunhas do documento particular não estarem presentes ao ato de sua formação não retira a sua executoriedade, uma vez que as assinaturas podem ser feitas em momento posterior ao ato de criação do título executivo extrajudicial, sendo as testemunhas meramente instrumentárias” [2], bem como o entendimento de que “a lei não exige que a assinatura das testemunhas seja contemporânea à do devedor” [3].
Nas últimas décadas, com o advento de novas tecnologias, criou-se uma importante ferramenta no contexto dinâmico de negociações: os contratos firmados em meio eletrônico. Tal ferramenta surge como alternativa às partes que, por inúmeras questões, não possam se encontrar presencialmente. Sobretudo no contexto da pandemia de Covid-19, esses contratos ganharam mais força em decorrência das limitações ao deslocamento.
Embora a assinatura digital e a validade de documentos eletrônicos sejam temas já abordados pela legislação pátria desde o início do século 21, com a MP 2.200-2/2001, responsável por instituir a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, popularizada como ICP-Brasil, e a Lei 12.682/2012, o destaque merecido a essas normas surgiu em um contexto, infelizmente, pandêmico. Mais recentemente, a Lei 13.874/2019, conhecida como Lei da Liberdade Econômica, inclusive previu que os documentos arquivados por meio eletrônico estariam equiparados aos documentos físicos para todos os efeitos, quando o arquivamento for realizado de acordo com o disposto na lei.
A assinatura digital com certificação se presta, portanto, a substituir, no meio eletrônico, a assinatura de próprio punho, com garantia de autenticidade e inalteridade, de forma a trazer segurança jurídica aos negócios virtuais [4]. Nesse ponto, relevante o papel das empresas certificadoras, que atuam a partir da disponibilização de documentos para assinatura digital e da utilização de pontos de autenticação para controlar fraudes e provar a veracidade das assinaturas.
A partir dessa lógica, seria desnecessária a presença de testemunhas em documentos assinados digitalmente, já que seria possível que as assinaturas tivessem sua idoneidade comprovada por outros meios. De todo modo, ainda paira na doutrina e jurisprudência pátria o questionamento referente à dispensa ou não de testemunhas nos contratos contendo assinaturas digitais, bem como se estes configurariam título executivo extrajudicial no caso de não serem firmados por duas testemunhas.
O Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade de examinar a matéria quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.495.920, em que se discutiu a executividade de um contrato eletrônico de mútuo assinado digitalmente pelas partes sem a assinatura de duas testemunhas. No caso, o julgamento foi favorável à executividade do título, tendo em vista a possibilidade de verificação de sua autenticidade por outros meios, que não as testemunhas.
Conforme evidenciado pelo relator, a partir da aferição das assinaturas das partes pela autoridade certificadora, torna-se desnecessária a assinatura das testemunhas. Ainda, é prudente a análise concreta dos casos, a fim de “verificar se é possível atestar que a celebração ocorreu nos termos, na forma e no momento em que o instrumento contratual indica” [5]. Como consequência, “o estabelecimento da necessidade de conterem a assinatura de duas testemunhas para que sejam considerados executivos, dificultaria, por deveras, a sua satisfação” [6].
Tal entendimento, apesar de muito compatível com o contexto de negócios vivenciado na atualidade, foi firmado em julgamento de recurso não repetitivo, de forma que não é vinculante às cortes estaduais. De fato, a partir de uma análise de julgados, ficou evidenciado que, mesmo após a decisão do STJ, há divergências quanto à exigência de testemunhas para configuração de título executivo extrajudicial [7].
Dessa forma, ao menos enquanto não há uma jurisprudência pacífica sobre o tema, o adequado é que os contratos eletrônicos continuem sendo celebrados com duas testemunhas. Tal medida, além de simples, mitiga o risco do credor na medida em que lhe concede um título executivo extrajudicial, ampliando o número de procedimentos disponíveis na defesa de seus interesses e facultando ao credor a utilização daquele que entender mais adequado.
Referências
[1] GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Curso de direito processual civil: execução, processos nos tribunais e meios de impugnação das decisões. v. 3. 14. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. p. 31.
[2] STJ. REsp 541.267. Relator ministro Jorge Scartezzini. Quarta Turma. Julgado em 20.05.2005.
[3] STJ. REsp 8.849. Relator ministro Nilson Naves. Terceira Turma. Julgado em 28 .05.1991.
[4] KLEE, Antônia Espíndola Longini. Comércio Eletrônico. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.
[5] MENKE, Fabiano. A Forma dos Contratos Eletrônicos. Revista de Direito Civil Contemporâneo, vol. 26, jan-mar/2021, pp. 85-113.
[6] STJ. REsp 1.495.920. Relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Terceira Turma. Julgado em 15/05/2018.
[7] Aqui, merecem destaque o julgamento da Apelação Cível Nº 0046876-13.2018.8.25.0001, pelo TJ-SE, e dos Embargos de Declaração Cível Nº 0734491-56.2019.8.07.0001, pelo TJ-DF, que negaram a executividade. Já em sentido contrato, nas decisões das Apelações Cíveis Nº 10000190426403001 e 2011271-06.2022.8.26.0000, respectivamente, pelo TJ-MG e pelo TJ-SP, foi reconhecida essa executividade.
Autores:
Yan Viegas da Silva é sócio da área de Direito Societário e Contratos do escritório Silveiro Advogados.
Fernanda Magni Berthier é acadêmica de Direito da UFRGS e estagiária de Silveiro Advogados.
Fonte: ConJur
Outras Notícias
Anoreg RS
Número de divórcios no Brasil tem queda de 10% em 2022
30 de dezembro de 2022
Entre janeiro e novembro de 2022 foram registrados 68,7 mil divórcios nos país, o menor número desde 2018.
Anoreg RS
Comprador de imóvel usucapido deve ser citado como litisconsorte necessário em ação rescisória contra sentença de usucapião
30 de dezembro de 2022
O entendimento foi estabelecido pelo colegiado ao julgar procedente ação declaratória de nulidade (querela...
Anoreg RS
Brasileiros dizem preferir que emissão de passaporte seja feita por cartórios, diz pesquisa
29 de dezembro de 2022
Documento é hoje emitido pela PF; por falta de recursos, fila de espera chegou à marca de 100 mil pessoas.
Anoreg RS
Pesquisa aponta que Cartórios brasileiros são a instituição com maior confiança
29 de dezembro de 2022
Levantamento de Instituto Datafolha aponta que 76% dos entrevistados estão satisfeitos com o serviço recebido no...
Anoreg RS
Artigo – Os impactos da digitalização na contratação de crédito imobiliário – Por Sofia Mecca
29 de dezembro de 2022
Verifica-se, assim, que a principal vantagem do movimento de digitalização está na redução de tempo gasto para...